Um estudo francês concluiu que o baclofeno, um relaxante
muscular que originalmente é prescrito a pessoas com doenças neurológicas, como
esclerose múltipla e Parkinson, pode ser eficaz no tratamento de alcoolismo a
longo prazo. Segundo a pesquisa, publicada na última sexta-feira na revista
médica Frontiers in Psychiatry, os efeitos positivos da droga entre pessoas com
dependência em álcool podem durar por pelo menos dois anos.
O uso do baclofeno no tratamento do alcoolismo já vem sendo
estudado por outros pesquisadores. No entanto, o medicamento havia sido testado
apenas a curto e médio prazos, em um período de seis meses e um ano após o
início da abordagem. O novo estudo, desenvolvido no Grupo Hospitalar Paul
Guiraud, na França, acompanhou, entre 2008 e 2010, 100 pacientes alcoólatras
(todos classificados como "alto risco"), que haviam se mostrado
resistentes aos tratamentos convencionais. Ao longo do estudo, eles foram
divididos em três grupos: alto risco, médio risco e baixo risco. Todos foram
tratados com doses crescentes de baclofeno — a dosagem média foi de 147
miligramas da substância ao dia.
Após dois anos, o número de pacientes que se tornaram
totalmente abstinentes ou que passaram a ter um consumo normal e controlado
caiu em 50%. Além disso, após três meses a partir do início do tratamento, a
soma das porcentagens dos pacientes que estavam entre baixo risco (conseguiam
controlar o consumo de bebida alcoólica) ou risco moderado (conseguiram
diminuir significativamente o consumo de álcool, mas sem ainda ter total
controle) de alcoolismo foi de 84%. Depois de seis meses, essa taxa foi de 70%;
após um ano, de 63%; e, dois anos depois, de 62%.
Recaídas - O
aumento no número de pacientes em alto risco entre o terceiro e o sexto mês se
deve ao fato de que alguns dos pacientes que haviam conseguido reduzir o
consumo com o baclofeno tiveram recaídas. Esses pacientes foram incapazes de
manter o consumo reduzido, provavelmente devido ao vínculo com o hábito de
beber e à motivação insuficiente para largar o vício. Segundo os pesquisadores,
grande parte dos voluntários estava tão ritualizada ao hábito de beber que não
conseguia parar, mesmo quando o apetite pelo álcool foi reduzido com o uso do
baclofeno.
Entre os efeitos adversos mais comuns do medicamento estão
fadiga e sonolência. Renaud de Beaurepaire, que coordenou o estudo, é um dos
pesquisadores de um trabalho em escala nacional que está aprofundando os
conhecimentos em torno do baclofeno como terapia contra o alcoolismo. A
previsão é que essa pesquisa seja publicada em 2014.
O último copo
A ideia de usar o baclofeno para tratar o alcoolismo partiu
do médico francês Olivier Ameisen, ele próprio um alcoólatra. Em 2002, Ameisen,
respeitado cardiologista da Universidade Cornell, em Nova York, começou a
testar o baclofeno em si mesmo, depois de se submeter a vários programas de
reabilitação — de encontros no grupo Alcoólicos Anônimos a internações em
clínicas especializadas. Ele narrou sua experiência com o medicamento no livro
Le Dernier Verre (O Fim do Meu Vício, Ed. Fontanar), best-seller na Europa e nos
Estados Unidos. "Eu precisava dos efeitos do álcool para existir em
sociedade", conta ele no livro. Uma reportagem de VEJA de 2009 conta como
teve a ideia de usar o baclofeno. Uma notícia de jornal despertou sua atenção:
havia indícios de que o baclofeno poderia ser usado no combate à dependência de
cocaína. "Por que não para o alcoolismo?", pensou Ameisen. O médico,
então, decidiu tomar o remédio. Ele testou várias dosagens, até estabelecer o
ideal em 50 miligramas por dia. O baclofeno ajudou Ameisen a se satisfazer com
doses menores de álcool: "Hoje posso tomar um copo de vinho e não ficar
com aquela vontade irresistível de beber mais", disse então à reportagem
de VEJA. Em 2009, ainda não havia comprovação dos efeitos do medicamento sobre
os alcoólatras, embora vários médicos já o testassem em seus pacientes. Com
este novo estudo, surge a mais forte evidência de sua eficácia.
http://veja.abril.com.br/noticia/saude/estudo-mostra-eficacia-do-baclofeno-para-o-tratamento-do-alcoolismo
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